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Mesmo com nova lei, bancas de advocacia preferem assinatura digital qualificada

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Por José Higídio, repórter da revista Consultor Jurídico

Embora a Lei 14.620/2023, publicada no último mês de julho, determine que os contratos assinados com qualquer tipo de assinatura digital são títulos executivos (ou seja, seus valores podem ser cobrados na Justiça por meio de execução), grandes escritórios de advocacia brasileiros ainda recomendam o uso da assinatura qualificada — aquela certificada pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

 

O entendimento das bancas é que o certificado da ICP-Brasil garante a integridade da assinatura e acaba com a possibilidade de questionamento de sua autenticidade. Mas há também a preocupação de que a redação genérica da lei ainda não permita atestar a força executiva dos contratos assinados com outros sistemas eletrônicos. Nesse caso, a ideia é aguardar a posição dos tribunais.

Sem caneta na mão
Plataformas que crescem no mercado, como DocuSign, ClickSign, D4Sign e Adobe Acrobat Sign, fornecem as assinaturas digitais avançadas, assim chamadas porque possuem um padrão de segurança elevado. Mas as assinaturas feitas por esses provedores não são certificadas pela ICP-Brasil (ou seja, não são qualificadas).

A validade jurídica dos contratos com assinatura digital avançada é reconhecida. Mas, antes da nova lei, não havia uma opinião unânime dos tribunais sobre sua exequibilidade (possibilidade de ser objeto de execução), devido à possibilidade de qualquer uma das partes apontar alguma falha de identificação. Já a assinatura qualificada garante tanto a validade quanto a exequibilidade do contrato.

O problema da exequibilidade é o tempo para que se reconheça uma dívida gerada pelo contrato. Quando um documento é considerado título executivo extrajudicial, a parte pode cobrar diretamente os valores nele previstos por meio de uma ação de execução, que é uma via mais rápida.

O advogado Daniel Bittencourt Guariento, sócio da área contenciosa do escritório Machado Meyer Advogados, ressalta que um título executivo precisa preencher uma série de requisitos. Um deles é a inexistência de dúvidas sobre as assinaturas.

Se o documento não for exequível (ou seja, não for considerado título executivo), é preciso ajuizar uma ação de conhecimento — como a ação monitória ou a ação de cobrança. Nesses casos, há um “passo a mais”: a necessidade de provar que a dívida existe. É a fase de instrução, na qual são apresentadas testemunhas e outras provas. Se, ao final, o juiz confirmar a existência da dívida, a sentença passa a ser um título executivo judicial. Com isso, o processo pode finalmente seguir para a fase de execução.

“Quando se tem um título executivo, o processo vai direto para a execução e a parte já é intimada a pagar. Quando não se tem, a parte é intimada a se defender”, diz Guariento. Nesse último caso, não há, de imediato, a possibilidade de penhora de bens: “É um procedimento mais demorado”.

Pedro Paulo Barradas Barata, sócio do Pinheiro Neto Advogados, explica que tanto a assinatura qualificada quanto a avançada são válidas, mas somente a certificação pela ICP-Brasil garante a autenticidade e a integridade do documento — como previsto pela Medida Provisória 2.200-2/2001.

Em comparação com documentos físicos, a assinatura qualificada equivale àquela com firma reconhecida em cartório: “Cria-se uma presunção legal de que a assinatura é válida e pertence ao seu titular”.

Na prática, isso significa que, se o contrato com assinatura qualificada for descumprido, “o ônus de provar que a assinatura digital é falsa recai sobre quem fizer essa alegação”. Já no caso da assinatura avançada, se houver alegação de falsidade, “cabe a quem exige o cumprimento do contrato comprovar a autenticidade e integridade do documento”.

Pé atrás
Guariento afirma que seu escritório ainda vê a Lei 14.620/2023 “com certa cautela”. Segundo ele, a previsão da norma sobre assinaturas digitais é muito genérica e “dá margem a algum nível de interpretação sobre o que se considera documento hábil para garantir a integridade da assinatura”. 

A lei dispensa a necessidade de assinatura de testemunhas quando a integridade for conferida pelo provedor, mas o advogado ressalta que não há menção específica ao certificado da ICP-Brasil.

Para Guariento, ainda é preciso “entender como a jurisprudência vai interpretar a extensão desse artigo novo”, que ainda não foi “testado” pelos tribunais. Segundo ele, “os juízes podem entender com uma certa limitação”.

De acordo com o advogado, a tendência é que a integridade da assinatura avançada seja reconhecida, mas “ainda não há decisões sólidas nesse sentido, porque a lei é muito nova”. Ele acredita que o cenário será consolidado em um período de seis meses a um ano.

Assim, o Machado Meyer ainda não considera que qualquer modalidade de assinatura eletrônica garante a exequibilidade do documento. É por isso que o escritório recomenda o uso da certificação digital da ICP-Brasil em alguns casos, conforme o grau de rigor das entidades envolvidas.

Na prática
As orientações institucionais para o uso das modalidades de assinaturas digitais estão presentes em um manual do Machado Meyer. No dia a dia, para atividades internas, o escritório usa as plataformas DocuSign e Adobe Acrobat Sign. Elas também são colocadas à disposição dos clientes para a efetivação de contratos com terceiros.

Para contratos entre pessoas de direito privado “com interação com entes públicos de menor impacto”, e que não envolvam informações protegidas por sigilo, a banca recomenda o uso da assinatura eletrônica simples — que não tem qualquer certificação digital. Para atos apresentados perante juntas comerciais, a orientação é de uso da assinatura avançada (com certificação digital que não a da ICP-Brasil).

Já a assinatura qualificada é recomendada para qualquer interação com ente público, para emissões de notas fiscais eletrônicas (exceto aquelas cujos emitentes sejam pessoas físicas ou microempreendedores individuais) e para atos de transferência e registro de imóveis.

Marcos Costa, sócio da área de contencioso do Machado Meyer, diz que o escritório incentiva o uso da assinatura qualificada, mas que há casos nos quais isso não é possível — “pela ausência de certificado da parte signatária ou por limitações tecnológicas ou regulatórias de entidades que terão de validar as assinaturas, por exemplo”.

Embora considere que a assinatura avançada é suficiente, a depender do contrato a ser assinado, a banca sugere precauções. Uma delas é a inserção de uma cláusula para declarar que as partes estão de acordo com a assinatura do documento sem certificação da ICP-Brasil. Essa alternativa foi validada pela MP 2.200-2/2001.

Outro conselho é evitar a assinatura híbrida, ou seja, a adoção de diferentes modalidades de assinatura no mesmo documento. O Machado Meyer ressalta o risco de que esse contrato não seja aceito como título executivo.

O Pinheiro Neto também recomenda aos seus clientes a preferência pela assinatura qualificada. No entanto, Pedro Paulo Barata ressalta a existência de casos em que essa modalidade é inviável, pois depende de que todas as partes tenham um certificado emitido com a tecnologia da ICP-Brasil, “o que representa custos”.

Por outro lado, o sócio aponta que já existem diversos recursos capazes de “agregar informações à assinatura eletrônica, conferindo maior confiabilidade e certeza quanto à autenticidade e integridade da assinatura”. É o caso dos sistemas de autenticação dupla, nos quais é enviada uma mensagem a um dispositivo cadastrado pela parte, para confirmar a aceitação e assinatura do documento. Outros exemplos são a biometria e o rastreamento de geolocalização.

No caso de uso da assinatura avançada, o escritório aconselha apenas que os contratantes utilizem uma plataforma “de renome e estabelecida no mercado”, para ter maior segurança. Em caso de disputa entre as partes, o provedor pode ser chamado para confirmar a autenticidade e integridade da assinatura.

 

Por meio de sua assessoria de imprensa, o SiqueiraCastro, outro grande escritório do país, informou à revista eletrônica Consultor Jurídico que sempre prioriza o uso da assinatura qualificada e gerencia os certificados digitais por meio de um cofre virtual. Mas a banca também diz que se adapta a outras plataformas “de acordo com as necessidades dos clientes”, conforme as solicitações recebidas.

O escritório Trench Rossi Watanabe também privilegia o uso da assinatura qualificada e evita a simples. Mas, segundo Gustavo Biagioli, diretor jurídico e de compliance da banca, há uma “certa resistência entre signatários que não possuem o certificado emitido pela ICP-Brasil”. Nesses casos, a recomendação é pela assinatura avançada, desde que preenchidos os requisitos da Lei 14.063/2020 (que traz as regras de uso de assinaturas eletrônicas nas interações entre particulares e entes públicos), para garantir a sua validade jurídica.

Sem pé atrás
Por outro lado, o TozziniFreire Advogados considera que não há mais diferenças jurídicas entre as assinaturas avançada e qualificada. Por isso, ambas são utilizadas em seus serviços.

De acordo com Patrícia Helena Marta Martins, sócia na área de tecnologia e inovação da banca, a Lei 14.620/2023 “veio para pacificar o tema”. Assim, “o contrato eletrônico não precisa ser assinado exclusivamente por certificado digital” e “aceita-se qualquer assinatura eletrônica prevista na legislação”.

O escritório BMA Advogados também não vê problemas no uso da assinatura avançada. Em regra, essa é a modalidade usada pelo departamento jurídico interno para validar documentos, por meio das plataformas D4Sign ou DocuSign. Há exceções apenas nos casos em que os órgãos ou instituições envolvidos exijam assinatura qualificada.

“Não há nenhuma imposição do BMA Advogados para que os documentos institucionais sejam assinados por meio de certificado digital”, explica Alessandra Duriez, gerente jurídica e de compliance da banca.

Fonte: Consultor Jurídico

 

 

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