Notícias

Novas tecnologias porão fim à corrupção?

A revolução digital tem alterado as “regras do jogo” da corrupção, já que favorece a prestação de contas, aumentando a transparência e promovendo a inovação pública

Por Carlos Santiso

Enquanto escândalos de corrupção povoam diariamente as primeiras páginas dos jornais latino-americanos, não há evidências empíricas de que a corrupção tenha aumentado nas últimas décadas. O que está claro é que ela continua em níveis inaceitavelmente altos para uma região de renda médiaalta, como a América Latina. Em uma escala de 0 a 100 (sendo 0 muito corrupto e 100 não corrompido), o índice de percepção de corrupção da Transparency International coloca a maior parte dos países latino-americanos com resultados abaixo de 50 pontos. Além disso, o custo da corrupção pode representar 2% do PIB mundial, o que, por um lado, limita as aspirações do desenvolvimento social e, por outro, agrava o descontentamento dos cidadãos. De fato, de acordo com muitos analistas, a origem da “armadilha da renda média”, na qual a região se encontra, é a fraqueza das instituições e a persistência de altos níveis de corrupção.

Este panorama descreve um cenário um tanto pessimista, mas como em quase todos os pontos de nossas vidas, é possível avistar uma luz no fim do túnel. As novas tecnologias – ou, mais precisamente, suas diversas aplicações para problemas existentes – irradiam alguma esperança. Assim, a revolução digital não é apenas uma revolução da economia, mas também do Estado. Bem geridas, tecnologias que envolvam dados em massa, inteligência artificial ou algoritmos têm um enorme potencial para prevenir a corrupção e melhorar a eficiência das administrações públicas. Por exemplo, a automação de processos, a digitalização de serviços, a otimização de sistemas de gestão pública e a prestação de contas podem contribuir para minimizar as oportunidades de apropriação indébita de fundos na provisão de benefícios sociais, licitações públicas ou investimentos em infraestrutura.

Existem vários países na região que já impulsionam reformas expressivas para digitalizar seus governos, abrir seus dados e melhorar, dessa maneira, a eficiencia e a transparência de suas administrações públicas, caracterizadas em geral por regulações complexas e trâmites tão exaustivos que acabam permitindo abusos e subornos.

Uruguai e México, por exemplo, são membros desde 2018 do D9, seleto grupo dos nove países digitalizados mais avançados do mundo. Paralelamente, o Panamá alcançou progressos importantes em sua transformação digital, segundo o índice de governo eletrônico das Nações Unidas. Ainda, 6 países da região, liderados por Brasil e México, estão entre os 20 governos com mais dados abertos. Não alcançamos, no entanto – nem de longe – o grau de maturidade digital comparável a líderes globais nesse quesito, como a Dinamarca ou aqueles com progressos mais reluzentes, como é o caso da Estônia.

Além de otimizar processos e prevenir a corrupção, a transformação digital do Estado tem o potencial de preencher as brechas que historicamente separaram governantes e cidadãos, mesmo em democracias maduras, melhorar a gestão pública e garantir a transparência, dois indicadores-chave para a satisfação dos eleitores. Na América Latina, uma região com cada vez mais jovens, mais urbanizada e mais conectada, a transformação digital oferece inúmeras oportunidades para adaptar as instituições às demandas da sociedade civil e às crescentes aspirações das classes médias. Mas se analisarmos o grau de implantação digital nos Estados, assim como nas empresas, teremos que concluir que ainda há um longo caminho pela frente. Além disso, se paramos de pedalar, caímos em uma corrida digital global que está se tornando cada vez mais rápida e na qual os outros países do mundo – a Ásia em particular – estão investindo cada vez mais.

Trata-se de ter Estados mais ágeis, abertos e inovadores. Para isso, será necessário agir em três aspectos fundamentais: a expansão do governo digital e a inovação pública; a melhoria regulatória e a simplificação dos procedimentos; e a promoção da integridade pública e a luta contra a corrupção. A digitalização dos dados governamentais, registros e expedientes administrativos é um primeiro passo para que se possa avançar e utilizar as possibilidades de mineração de dados que os Estados têm armazenados. Os conceitos de Open Data e Big Data permitem detectar, revelar, prevenir e até prever práticas de corrupção que, no passado, permaneciam ocultas por detrás das sombras de uma quantidade incrível de papel.

Com todas essas transformações, a revolução digital tem alterado as “regras do jogo” da corrupção, já que está favorecendo a prestação de contas, aumentando a transparência e promovendo a inovação pública. Com a intenção de aprofundar esse debate e promover a transformação digital dos Estados da América Latina, especialistas regionais e globais se reunirão hoje na Cidade do México, em evento organizado pelo CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina, que abordará entre outras questões, o estabelecimento de agendas digitais nos países da região. Medidas técnicas e iniciativas políticas são essenciais para ajudar a restaurar a confiança dos cidadãos em relação aos seus líderes e também para reduzir os casos de corrupção de alto perfil que a América Latina nos habituou nos últimos anos. E também, possivelmente, consigam neutralizar a resignação latinoamericana frente à corrupção.

Carlos Santiso é diretor da Divisão de Inovação Digital do Estado no CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina

Fonte: Valor Econômico

Leia também

Mais notícias

Serviços

Consultas Processuais
Consulta Jurídica
Clipping do DOU

Convênios

eGAC
pki
CryptoID
Insania
GD Giesecke+Devrient
Serpro
YIA
Class One