Por TAKASHI MOCHIZUKI, de Tóquio
O filme “De volta para o futuro – Parte 2”, da década de 80, transporta os espectadores para um 2015 onde as pessoas pagam por corridas de táxi com o toque de um dedo.
Na realidade de 2016, as impressões digitais já são uma forma popular de acessar dispositivos inteligentes, mas ainda é difícil pagar um táxi ou a conta na caixa registradora com apenas um dedo.
Para ter sucesso, um sistema de pagamento tem que casar a impressão digital com outra existente em um banco de dados que contém milhares ou milhões de outras impressões e — para satisfazer clientes impacientes — fazer isso em segundos.
Esse é o desafio que Yasuhiro Kuda afirma que sua “startup”, a Liquid Inc., sediada em Tóquio, conseguiu superar. Financiada pelo governo japonês e por alguns dos principais nomes de finanças e tecnologia do país — incluindo os braços de financiamento de capital de risco do gigante financeiro Mizuho Financial Group Inc. e a operadora de celularesNTT DoCoMo Inc. — a Liquid está lançando um sistema de pagamentos através de impressão digital no varejo do Japão e em vários países da Ásia, como Sri Lanka e Filipinas.
“A biometria é conveniente, mas não é tão amplamente usada como deveria”, diz Kuda, o fundador, que tem 31 anos e antes trabalhava numa corretora japonesa.
A biometria — identificação através das impressões digitais, veias, traços faciais ou qualquer outra característica que seja única em cada indivíduo — há muito é considerada uma forma ideal de autenticação. A firma de pesquisa Tractica estima que o mercado global de biometria atinja US$ 14,9 bilhões em 2024, ante US$ 2 bilhões em 2015.
A dificuldade está na nebulosidade das informações. Um computador pode rapidamente confirmar se os dados contidos na tarja magnética ou no chip de um cartão de crédito correspondem aos mantidos no banco de dados da administradora. Não é tão fácil fazer o casamento dos traços de uma impressão digital.
A maioria dos sistemas biométricos usados pelos consumidores hoje, como o sensor de impressão digital que destrava o iPhone ou o iPad, da Apple Inc., usa a identificação “1:1”. O iPhone reconhece apenas uma impressão digital — a do proprietário — e checa se o dedo que está no botão de início combina com seus arquivos.
Em outro tipo de identificação 1:1, uma pessoa apresenta primeiramente um cartão físico ou número de identificação e, então, apresenta a impressão digital como confirmação. Esse método pode não ser o mais conveniente para o consumidor, mas oferece benefícios de segurança porque um criminoso teria que ter tanto uma cópia da impressão digital como roubar o registro de identificação da pessoa, diz Marios Savvides, diretor do Centro de Biometria Cylab da Universidade Carnegie Mellon.
O sistema da Liquid utiliza uma forma mais complicada de identificação, que pega a impressão digital apresentada e a procura num enorme banco de dados de impressões digitais. Isso não é novidade para os departamentos de polícia, que usam o sistema, chamado de “1:N”, para checar impressões digitais deixadas em cenas de crimes. A diferença é que a Liquid não pode esperar um dia, como nas investigações criminais, e deve descartar todas as impressões no banco de dados, exceto a correspondente.
Graças a técnicas de inteligência artificial, como a “aprendizagem profunda” — em que programas descobrem sozinhos como se aprimorar —, o sistema da Liquid pode fazer rapidamente uma autenticação do tipo 1:N, diz Kuda. Os leitores de impressões digitais, diz, podem distinguir entre impressões de um ser humano e aquelas impressas, por exemplo, em gelatina ou gesso.
Uma das empresas testando o sistema da Liquid é a Huis Tem Bosch Co., operadora de um parque temático no sul do Japão. Um cliente com ingresso válido para toda a temporada, e que autorize o parque a tirar suas impressões digitais, pode pagar por alimentação e atrações dentro do parque com apenas um toque. Poucos já testaram o sistema, mas a implementação tem sido “bem tranquila”, diz uma porta-voz.
Em junho, a Liquid se uniu à telefônica japonesa KDDI Corp. em um serviço para turistas que visitam o Ikebukuro, um distrito comercial de Tóquio. Depois de deixar suas impressões digitais e informações de cartão de crédito ao se registrar no hotel, o cliente pode fazer compras ou até alugar um carro usando apenas o dedo. O governo está financiando o serviço, na expectativa de poder usá-lo mais amplamente quando sediar a Olimpíada de 2020.
Mas alguns especialistas têm dúvidas se as ideias de Kuda são realistas. “Não é útil para a verificação comercial sem sacrificar a velocidade e a exatidão”, diz William Saito, empreendedor do setor de tecnologia biométrica que assessora o governo japonês em assuntos de segurança cibernética.
Tais dúvidas podem levar comerciantes que usam o sistema da Liquid a exigir uma segunda forma de identificação, como um cartão — prejudicando a simplicidade da tecnologia de Kuda. Ant Allan, analista da consultoria Gartner, diz que o interesse do mercado ainda precisa ser desenvolvido. Para isso acontecer, diz, a Liquid tem que elevar a confiança entre varejistas.
A visão de Kuda é de dar liberdade ao consumidor.
“Imagine-se com as mãos totalmente livres em bares […], táxis ou festivais de música”, diz ele. “Acreditamos que esse sistema será para a era pós-smartphone.”
(Colaborou Rena Nakachi Simkowitz.)
THE WALL STREET JOURNAL