Por Martha Funke | Para o Valor, de São Paulo
Um andador que vai ao encontro do idoso e o ensina a dançar. Sensores que estimulam a população a se exercitar. Telemonitoramento de sinais vitais e de câmeras em residências de idosos e acamados. Eletrocardiogramas remotos e consultas por vídeo que desafogam o sistema de saúde. Os exemplos apresentados na palestra sobre telehealth e mHealth mostram que a digitalização transforma a saúde ao redor do mundo. A França criou em 2015 o Plano Nacional de Saúde Eletrônica para estimular a telemedicina e ampliar o acesso a especialidades médicas, estimular o engajamento do paciente e reduzir custos para o sistema. A primeira etapa conta com 2 milhões de pacientes elegíveis, com doenças crônicas ou acamados. O atendimento envolve teleconsulta simples, com pagamento de € 25 a € 45 cada e limite de três consultas anuais por paciente; teleconsulta entre pares, € 40 por consulta e limite de 100 pacientes ao ano por profissional; e telemonitoramento com suporte telefônico focado em diabetes e doenças renais, cardíacas e respiratórias.
O sistema acompanha remotamente oito a dez indicadores simples, como a variação de peso abrupta, um dos preditores de falência cardíaca, controlados por algoritmos que geram alertas para a equipe. Os pacientes recebem suporte educacional por telefone. Médicos, enfermeiros, terapêutas e fornecedores de tecnologia recebem bônus baseado em indicadores de economia e qualidade. “O sistema de remuneração baseado em valores custa € 300 anuais por paciente e a redução nas internações paga o investimento”, detalhou Sebastian Woynar, chefe do grupo de telemedicina do Ministério da Saúde francês. A Spectator é outra especialista em vídeo. A empresa holandesa é focada em monitoramento de idosos em home care e criou uma central de alarme com videowalls para gerenciar informações enviadas por câmeras de segurança e pelos pacientes. “Os idosos querem controlar a própria vida. A tecnologia pode ajudar”, destacou o Frans Herms, diretor da empresa. Além de sistemas de alarmes pessoais, são usados aplicativos para tablets com funções como abertura remota de portas, localização de igrejas na vizinhança, agendamento de consultas e teleassistência para triagem.
O envelhecimento populacional coloca o idoso na agenda de estudos da tecnologia na saúde. Na Universidade de Delft, na Holanda, Erwin de Vlugt, professor de biomecânica e biorobótica, estuda o papel dos robôs em cuidados, diagnósticos e reabilitação. Um dos resultados é o LEA (sigla em inglês para assistente de confiança para idosos), um andador doméstico com altura adaptável, detecção óptica de obstáculos e videoconferência que funciona também como personal trainer e parceiro de dança, com 16 ritmos. Outros exemplos são um dispositivo que pode ser acoplado ao punho para identificação de espasmos posteriores a cirurgias cardíacas, exoesqueletos com capacidade de interface cerebral e a luva Sense, controlador de mão com 16 sensores de dedos e seis de pulso para recuperação de movimentos. Parte dos desenvolvimentos são feitos nos Living Labs, em parceria com hospitais. “As inovações são desenvolvidas com os pacientes”, explicou de Vlugt.
Na Universidade de Amsterdã de Ciências Aplicadas, o grupo Digital Life desenvolve pesquisas com sensores, big data e redes sociais levando em conta tendências como desospitalização e prevenção de doenças crônicas com iniciativas como combate ao sedentarismo. O professor e líder do grupo, Ben Kröse, detalhou projetos apoiados por sensoriamento. No programa de reabilitação Hipper, para póscirurgia de quadril, sensores identificam a movimentação do paciente em casa e fornecem dados para médicos e fisioterapeutas. A distribuição de pequenos dispositivos com comunicação bluetooth (beacons) em ambientes urbanos sustenta o projeto Paul, que tem participação da Unifesp e Eyebeacons. Os usuários recebem mensagens de estímulo ao exercício físico por aplicativos móveis quando passam perto dos sensores. No segundo, os sensores estão localizados em obstáculos perigosos para pessoas de baixa visão e os avisos são enviados por smartphones.
Venture capital olha para o setor com atenção especial
Por Maria Alice Rosa | Para o Valor, de São Paulo
Há pelo menos três certezas na cabeça de quem atua no segmento de eHealth, o uso de tecnologia de informação e comunicação na área da saúde: o mercado terá uma expansão gigantesca nos próximos anos, com ou sem crise nacional; o país vive uma onda crescente de inovações estimuladas pelas oportunidades que o setor oferece, e o “boom” que já está em curso tem participação decisiva do venture capital os investimentos de risco que buscam projetos e empresas iniciantes com capacidade de crescimento exponencial. Todo este movimento é alicerçado no processo de integração de toda a cadeia da saúde, e um dos maiores desafios é engajar os usuários finais à rede por meio de dispositivos portáteis. Mais que as companhias tradicionais, são as startups que devem acoplar essas soluções ao sistema e elas são o foco principal do venture capital, que, por meio de fundos públicos e privados ou aportes diretos, está de olho naquelas “empresas muito grandes quando muito pequenas”, na definição de Manoel Lemos, sócio do fundo de investimentos Redpoint e.ventures.
O Redpoint, fundo de US$ 130 milhões, tem quatro empresas de Digital Healthcare em seu portfólio. “O fluxo de empreendedores em healthtech só cresce de um ano para cá e vamos seguir investindo. É uma das áreas prioritárias para nós”. Assim como Lemos, o CEO da venture builder Grow+, Paulo Beck, considera que as healthtechs estão entre as mais promissoras no Brasil. Segundo ele, dados de 2015 coletados pela Boston Consulting Group (BCG), Fundação Dom Cabral (FDC) e ABVCAP/ KPMG, mostram que o setor de saúde como um todo é o que mais atrai investidores de corporate venture, feito por empresas, com 38% dos aportes não há ainda estatística específica no Brasil sobre eHealth. “Fundos estrangeiros estão vindo para o país interessados principalmente em saúde.”
Sensores, apps, roupas inteligentes e vídeo consultas são alguns dos recursos que vão permitir a conexão entre hospitais, clínicas, operadoras de saúde, médicos e pacientes. Muitos desses produtos e serviços já existem, mas são usados isoladamente. Em 2013, antes criar a Domo Invest, os atuais sócios se uniram para criar um fundo de apoio ao Boa Consulta, plataforma de agendamentos de consultas e exames online. Agora, buscam novas oportunidades. “Quando você digitaliza este mercado, consegue trazer escala e eficiência para a indústria toda”, diz o sócio da Domo, Rodrigo Borges, fundador do Buscapé. A Confrapar, especializada na compra de participações em empresas de tecnologia, tem três healthtechs entre as 15 de seu portfólio. Segundo o sóciodiretor da gestora, Rodrigo Esteves, o gasto total com saúde no Brasil, incluindo setores público e privado, é de meio trilhão de reais por ano. “Isto dá uma ideia do potencial a ser explorado.” Este custo, ressalta Esteves, envolve a enormidade de deficiências do sistema que necessitam de soluções, num primeiro momento, muito básicas, como prontuário eletrônico e recursos para a comunicação entre pacientes e médicos. “Não adianta o equipamento da pessoa monitorar sua saúde e o médico não ter acesso aos dados.”
Digital healthcare é segmento prioritário, junto com TI, no parque tecnológico Supera, que integra universidades, institutos de pesquisa, startups e empresas nascentes. Instalado em um campus da USP em Ribeirão Preto (SP), reúne 58 startups e obtém a maior parte dos investimentos da Finep, contando também com Fapesp e CNPq, entre outros. Desde 2010, foram captados quase R$ 14 milhões. “Hoje temos dois clusters, um de TI e um de saúde, criando uma sinergia favorável a negócios focados em Digital Healthcare”, diz o gerente da Fipase, gestora do parque, Dalton Marques, um dos palestrantes do Fórum HIMMS@Hospitalar, realizado semana passada em São Paulo.
O momento vivido pelo Brasil tem entre os mercados inspiradores a experiência de Israel. Segundo o cônsul israelense para assuntos econômicos no Brasil, Daniel Kolbar, o país é líder mundial em número de patentes per capita de produtos para a saúde. “O governo tem participação ativa no incentivo a startups, dispondo de um orçamento de US$ 100 milhões por ano para qualquer tipo de empresa desenvolver inovações, compartilhando os riscos e atuando em parcerias com o setor privado”, afirma. Kolbar e os representantes da Grow+ e Confrapar também apresentaram palestras no fórum da Hospitalar.